segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pra desbaratar uma falácia

Fim de semana sem jogo do Corinthians é a coisa mais sem-graça que existe. E isso só completou o nada alegre quadro do meu fim de semana. Que fique como lembrança na parede.

Mas nessa entressafra forçada, eu queria refletir sobre um rótulo que se colou sobre a identidade tanto do torcedor quanto da história corintiana: o mito segundo o qual a técnica não é tão importante assim e o que vale, mesmo, é a raça.

Pura falácia. Se assim fosse, o Corinthians não seria a potência que é hoje - ainda que, nas palavras de um insuspeito são-paulino, seja um Boeing pilotado por comandantes de teco-teco.

Gostamos, sim, de craques. Tanto é verdade que nove entre dez dos nossos maiores ídolos são atletas de inconteste capacidade técnica. Neco fora artilheiro da campanha vitoriosa da seleção brasileira no Sul-Americano de 1919. Outro goleador nato, Teleco fora espantoso: marcara 251 gols em 246 jogos, média superior a 1,02 gol por partida - nem mesmo Pelé, com 0,93, conseguiu o mesmo.

Maior artilheiro da história corintiana, Cláudio Christovam do Pinho tinha o apelido de "gerente" - não só por ajudar os colegas a jogar sob melhores condições de trabalho, mas pelo trato com a pequena dentro de campo. E o Pequeno Polegar Luis Trochillo se notabilizou por uma suposta estripulia diante do marcador argentino Luiz Villa, do Palmeiras - teria sentado na bola na frente dele. Décadas depois, Carbone desmentiria o mito: "Ele não sentou; tropeçou e caiu".

Azar da realidade. Eu prefiro a primeira versão.

Gylmar dos Santos Neves era o fino do gol. Dizem os viventes de seu tempo que não fazia espalhafato - tinha notável senso de colocação e por isso pouco se passava. Depois de um frango, sacudia a poeira e dizia: "Agora não passa mais nada". Dito e feito.

Torcesse o destino por alguém, seria o Juventus. Porque, de não fazer Rivelino campeão pelo Corinthians, aprontou lá boa dose de molecagem. Fora pego pra cristo na fatídica derrota no Paulista de 74 para o Palmeiras, que resultou em selvageria e quebra-quebra nos arredores do Morumbi.

E como não se lembrar de Palhinha e Sócrates, verdadeiros artistas e artífices? O Doutor certa vez desmontou a aura de determinar o ritmo da torcida. "Eu queria que eles pressionassem o time certo: o adversário". Longe de conduzir, o craque reverenciava a primazia única da Fiel. "As outras torcidas torcem. A do Corinthians joga junto".

Neto é o meu primeiro ídolo. Lembro-me de agonizar nas quartas-de-final contra o timaço do Atlético-MG, cujo primeiro jogo aconteceria no Pacaembu. E eu estava do lado de lá do rádio, preso ao inesquecível Fiori Gigliotti. Até os 36 do segundo tempo, o Galo tava na frente. E Neto virou o jogo em menos de dez minutos. Craque de um time pouco iluminado, fora fundamental na conquista do primeiro título brasileiro.

Da mesma forma, houve grandes expoentes na vitoriosa campanha do bi brasileiro e na conquista do mundo (sim, queiram os detratores ou não, somos campeões mundiais). Marcelinho, Edílson e Rincón mereciam destaque naquele time.

O Capetinha, aliás, lavou a alma corintiana ao disparar embaixadinhas diante de estupefatos palmeirenses na final do Paulista de 99, poucas semanas depois de o Corinthians perder nos pênaltis a Libertadores - para o mesmo rival. Se não aliviou a dor, ao menos acendeu o lampejo do Pequeno Polegar. Só que, ao contrário do argentino Villa, que mal se incomodava, os verdes partiram para o sai-na-mão.

É claro que muitos que a história corintiana abraçou não eram exatamente craques - casos de Baltazar cabecinha de ouro, Biro-Biro, Super Zé Maria e um inesquecível João Roberto Libertador - O Basílio eterno que, na premonição de Oswaldo Brandão, marcaria o gol que daria fim a décadas de fome. Eles são, no entanto, o elemento de união do craque corintiano ideal: aquele que une talento ao espírito guerreiro - Carlos Tevez, protagonista do brasileiro de 2005, é a personificação mais visível dessa característica.

O gosto pela incessante busca à vitória não significa que damos de ombros para o talento. Somos, isso sim, muito mais exigentes.

Nenhum comentário: